sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Volks recorre ao STF para fazer valer acordo

Fonte: Claudia Safatle. Valor Econômico. 07/11/2008

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já julgou três ações trabalhistas de empregados da Volkswagen que colocam em xeque a legitimidade dos sindicatos dos trabalhadores de assinar acordos coletivos que representem uma flexibilização das leis que regem o mercado de trabalho. Há outras três ações ainda em processo de julgamento. Todas questionam termos do grande acordo de 2001, firmado entre a direção da Volks na Alemanha e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, pelo então presidente Luiz Marinho, para evitar a demissão de 3 mil funcionários da montadora.

O foco da discórdia é a participação nos lucros da empresa que, pelo acordo coletivo, teve seu pagamento distribuído ao longo de 12 meses de 2002, como uma antecipação, para que os empregados não perdessem poder aquisitivo com a redução das horas trabalhadas.

O TST entendeu que o pagamento em 12 vezes feriu a lei 10.101/2000, que, no seu artigo 3º , § 2º , proíbe qualquer antecipação ou distribuição de valores a título de participação nos lucros ou resultados da empresa em periodicidade inferior a um semestre, ou mais de duas vezes no mesmo ano civil. Assim, aquele parcelamento foi caracterizado como salário e, como tal, seu valor repercute nos cálculos de férias, 13º salário, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, custo da hora trabalhada etc, que a empresa terá que pagar.

Em novembro de 2001 os mais de 12 mil funcionários da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP) votaram e aprovaram, por maioria, o acordo com validade de cinco anos que garantiu a estabilidade de emprego nesse período, afastando a ameaça de demissão dos 3 mil funcionários e criou um programa de demissão voluntária (PDV). Em compensação, os empregados tiveram que concordar com a redução de 15% de jornada de trabalho (conhecida como "a semana de quatro dias" ou "semana Volkswagen") e de salário, entre outras iniciativas. A empresa estava em fase de forte ajuste para cortar custos.

Aquele foi considerado um marco histórico nas relações capital/trabalho, amplamente comemorado pelos empregados da empresa. Houve, é claro, muita polêmica não só em torno do acordo propriamente dito, mas também sobre as dificuldades que a direção do sindicato alegou ter para negociar com a direção da empresa no Brasil. Tanto que, prefeito eleito de São Bernardo, Luiz Marinho, então presidente do sindicato, foi à sede da companhia, em Wolfsburg (Alemanha), para acertar com o vice-presidente mundial de recursos humanos da Volkswagen, Peter Hartz, a readmissão dos demitidos e novos produtos para a fábrica do ABC paulista. Mas isso não tirou a simbologia daquele evento.

O acórdão do TST, datado de agosto deste ano, reconheceu a natureza salarial do parcelamento, em 12 meses, da participação nos resultados e determinou sua integração à remuneração, "passando a soma a incidir nas verbas reflexas, condenando a reclamada a restituir e a complementar os valores dos períodos em que foram suprimidos ou pagos a menor", conforme o texto do acórdão.

A empresa entrou com recurso no tribunal, alegando, entre outras coisas, violação da Constituição que, em seu artigo 7º inciso 26, reconhece as convenções e acordos coletivos de trabalho. Não teve sucesso. Na votação do TST, dos 14 ministros, apenas seis deram razão à Volks. Foram eles: os ministros Vantuil Abdala, Milton de Moura França, Guilherme Caputo Bastos, João Batista Brito Pereira, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Rider Nogueira de Brito, conforme são citados no acórdão.

A Volks não quis falar sobre o caso, mas se sabe que a empresa examina a possibilidade de tentar um último recurso no Supremo Tribunal Federal (STF).

A posição dos ministros que foram contra a maioria do TST era de que as circunstâncias em que o acordo foi realizado eram excepcionais e, portanto, ele deveria ser tratado de forma também excepcional e não resolvido com a aplicação da lei a partir de uma leitura ortodoxa. Como há ações ainda em julgamento nesse caso, os ministros do TST não podem se posicionar publicamente.

Em tempos de crise, a decisão do TST não é uma boa notícia. Não por seu aspecto financeiro, já que os valores que a empresa terá que pagar nessas ações são, relativamente a seu porte, desprezíveis, mas pela insegurança jurídica que traz. A Justiça do Trabalho não reconhece a capacidade do empregado de decidir sobre seu emprego, assim como não reconhece a legitimidade de um acordo coletivo negociado de forma transparente pelo sindicato.

O caso Volkswagem foi emblemático da maturidade sindical e da capacidade dos trabalhadores de entrar em entendimento com as empresas para buscar soluções menos traumáticas que a porta da rua, nos momentos em que a companhia está em dificuldade.

As perspectivas para 2009 não são as mais promissoras. Há temor de forte desaceleração do nível de atividade, com conseqüente desemprego. Acordos coletivos envolvendo setores afetados pela forte crise financeira mundial poderiam ser vistos como alternativa à eventuais demissões, uma flexibilidade necessária para trabalhadores e patrões poderem atravessar períodos mais críticos mediante soluções negociadas. O caso Volks, contudo, joga um balde de água fria em qualquer solução que se paute pela supremacia do negociado sobre o legislado, agrava a insegurança jurídica das empresas ao negociar questões trabalhistas, e deixa como única porta de saída de crises a pura e simples demissão dos empregados.

Claudia Safatle é diretora de redação adjunta e escreve às sextas-feiras

E-mail claudia.safatle@valor.com.br