quinta-feira, 5 de julho de 2007

Súmula vinculante e desobstrução da Justiça

Fonte: Zelmo Denari. VALOR ECONÔMICO. 05/07/2007

As súmulas vinculantes que, doravante, serão expedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e aplicadas como paradigma para uniformizar as decisões judiciais em todos os níveis, evitando a discussão repetitiva de temas e questões jurídicas decididas pela mais alta corte do país, já se configuram como uma medida urgente no atual panorama de sobrecarga do Poder Judiciário.

Os marxistas costumam dizer - e nisto cobertos de razões - que toda evolução é gerada na dor. Não foi diferente com o advento das súmulas vinculantes. Muitas vozes se levantaram em oposição à medida e, por isso, sua adoção não se fez sem muita luta travada nos bastidores do direito.

Os protestos são originários de duas vertentes. Da primeira participam os setores mais representativos da doutrina pátria, composta por professores e juristas de reconhecida sabedoria jurídica. Dentre os argumentos contrários utilizados por esse segmento estão o de que as súmulas implicam em estratificação da jurisprudência, sendo certo que, uma vez editadas, não há mais possibilidade de decisões divergentes ou revisoras de um tema, o que pode conduzir à estagnação do direito, cuja evolução decorre, justamente, das divergências interpretativas. Da segunda vertente, participam todos os que (sem se darem conta disso) se opõem às súmulas vinculantes movidos por impulsos meramente corporativos. Refiro-me, obviamente, à oposição sistemática feita pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) à adoção da súmula vinculante no plano jurisdicional. Como é intuitivo, não pode interessar à classe dos advogados, a que pertenço, quaisquer limitações ao ingresso em juízo.

A propósito, devo admitir que não sendo normativista e não tendo nenhum apreço pela doutrina kelseniana, concordo, em linha de princípio, com aqueles que argumentam que as súmulas podem dificultar a renovação do direito. No entanto, estou convencido também, de que, na atual conjuntura, elas constituem um mal necessário. Ninguém ignora que, diante do extraordinário volume de processos pendentes de julgamento, o Poder Judiciário tem se revelado incapaz de alcançar níveis satisfatórios de prestação jurisdicional. No Estado de São Paulo, uma simples apelação interposta ao Tribunal de Justiça (TJSP) pode aguardar quase três anos para ser distribuída ao respectivo relator. Disso resulta que o direito à prestação jurisdicional tem sido sistematicamente violado em nosso Estado e, suponho, em muitas unidades da federação.

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As súmulas vinculantes podem dificultar a renovação do direito, mas na atual conjuntura são um mal necessário

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E como todos os que ingressam em juízo têm direito à devida prestação jurisdicional, o que significa obter dos aplicadores da norma, em razoável espaço de tempo, um provimento capaz de solucionar o conflito de interesses, já há consenso no sentido de que nosso combalido Judiciário enfrenta, na atual conjuntura, dois dragões insaciáveis: a impunidade do "andar de cima" e a morosidade processual. Se ficarmos de braços cruzados e, em brevíssimo espaço de tempo, não desatarmos o nó górdio da impunidade, nem lutarmos por uma Justiça mais ágil e eficiente, corremos o risco de sermos tragados pelos dragões.

Com vistas a estes objetivos, diversos projetos de lei foram aprovados em 2006 para reformular os processos civil, penal e trabalhista e levar a cabo a tão acalentada reforma do Poder Judiciário. Embora, em termos legislativos, elas traduzam um significativo avanço, pois investem contra o processualismo - uma perniciosa e pertinaz enfermidade jurídica - nenhum deles tem o mesmo alcance das súmulas vinculantes.

Somente para citar dois exemplos, ao declarar a "inconstitucionalidade da lei ou ato normativo estadual que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias", a Súmula Vinculante nº 2 do Supremo, além de quebrar a espinha dorsal das gangues dos bingos, permitiu que fosse deflagrada, pela Polícia Federal, a Operação Themis, que tornou público o esquema criminoso de vendas de sentenças para favorecer as casas de bingo. Somente agora sabemos que muitas delas estavam em atividade em razão de liminares concedidas por juízes estaduais inescrupulosos. O segundo exemplo demonstra como as súmulas vinculantes podem combater o insaciável apetite do fisco. Recentemente, ao tomar conhecimento de que o Supremo, no julgamento de ações diretas de inconstitucionalidade (Adins), vinha concedendo liminares que determinavam a não-incidência do ICMS sobre a venda de bens salvados de sinistros, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rendeu-se àquelas decisões, cancelando sua Súmula nº 152 que acolhia a tese contrária, permissiva da incidência do tributo. Significa dizer que, após o advento da nova ordem jurisdicional, as súmulas vinculantes atuam até por via reflexa. Quantas ações deixarão de ser intentadas e quantos recursos deixarão de ser opostos pela Fazenda pública estadual em razão do cancelamento da súmula menos hierarquizada do STJ, somente nesta matéria? Como dizia Santo Agostinho: "Roma locuta, causa finita".

Zelmo Denari é jurista especializado em direito tributário pela Universidade de Roma e presidente da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Auditor Fiscal não tem Competência para Descaracterizar Vínculo de Emprego

Em decisão apreciando Recurso Ordinário em Mandado de Segurança, a Seção Especializada em Dissídios Individuais do TRT da 2ª Região suspendeu o cumprimento da ordem emanada de auto de infração que declarava existência vínculo empregatício de trabalhadores contratados por meio de cooperativa e cobrava multa administrativa.

O auditor fiscal havia considerado como empregados 1.876 trabalhadores contratados por meio de cooperativa de trabalho. No entanto, a juíza relatora, Desembargadora Maria Aparecida Duenhas, entendeu que o auditor fiscal não é competente para lavrar autos de infração reconhecendo existência de contrato de emprego, visto que essa competência é exclusiva do Poder Judiciário.

A relatora completou que o Fiscal emitiu verdadeiro juízo de valor sobre a situação dos trabalhadores, analisada à luz da Súmula nº 331, do C. TST, o que refoge totalmente à sua competência, por configurar atividade jurisdicional, afeta exclusivamente ao Poder Judiciário.

(TRT 2ª Região. Processo n.º 01096200601702008-SDI).

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Auxílio-doença acidentário é condição para estabilidade provisória

Fonte: TST 02/07/2007

Somente a caracterização de acidente de trabalho não é suficiente para assegurar ao empregado estabilidade provisória que possa gerar direito à indenização, em caso de demissão. Também é necessário que o trabalhador tenha solicitado e obtido autorização do INSS para gozar de auxílio-doença acidentário – e não apenas auxílio-doença. Com esse fundamento, a Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho deu provimento a recurso da Celulosi Irani S.A. para reformar decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC), que havia reconhecido estabilidade provisória decorrente de acidente de trabalho e deferido indenização equivalente aos salários não pagos durante um ano.

A empregada sofreu acidente ao deslocar-se da residência para o trabalho. Após o período de licença médica, foi demitida e ajuizou ação visando obter o reconhecimento de estabilidade provisória por acidente de trabalho e, por conseguinte, o recebimento de salários durante um ano. O juiz da 24ª Vara do Trabalho de Florianópolis julgou o pedido improcedente, acolhendo os argumentos da empresa de que o acidente não ocorreu no percurso para o trabalho, na medida em que esse trajeto foi alterado quando ela passou na creche para deixar o filho.

A trabalhadora apelou ao TRT, que reformou a sentença com base em dois fundamentos, reconhecendo a estabilidade provisória. O primeiro, de que o alegado desvio do trajeto era habitual – fato não contestado pela empresa – e que não seria suficiente para descaracterizar o acidente de trabalho. O segundo, de que o fato de a autora ter entrado com auxílio doença (e não auxílio-doença acidentário) também não consistiria em obstáculo ao direito.

A empresa recorreu ao TST. O relator da matéria, ministro Renato de Lacerda Paiva, após analisar os fundamentos apresentados no recurso, considerou que, mesmo tendo sido caracterizado o fato como acidente de trabalho, sobrepõe-se o posicionamento jurisprudencial firmado pelo TST, através do item II da Súmula 138, que estabelece: “São pressupostos para a concessão da estabilidade o afastamento superior a 15 dias e a conseqüente percepção do auxílio-doença acidentário, salvo se constatada, após a despedida, doença profissional que guarde relação de causalidade com a execução do contrato de emprego”.

O ministro conclui que, sendo incontroverso o fato de que a trabalhadora não usufruiu de tal benefício, mas apenas de auxílio-doença, é inquestionável que ela não era detentora da estabilidade provisória requerida. Com a aprovação do voto por unanimidade, a Segunda Turma restabeleceu a sentença que julgou improcedente a reclamação trabalhista. (RR-990/2001-024-12-00.0) (Ribamar Teixeira)